Vai daí, tratou-se de arranjar o equipamento necessário - cordas - e está tudo a arrancar para o castelo, pessoal! A ideia era fazer rappel onde desse. Tanta muralha men, e arrebiques e o caroço. Algum sítio há-de existir para atar a corda... E se havia! Aqui na porta principal, não, que dá bandeira. Eh pá, mariquinhas do catano, bute lá aí, sem estrondo!
Quando chegámos à entrada do convento, o Bernachini teve o seu primeiro american dream: "É aqui é que está bom, manos". E vai de laçar as cornijas da frontaria. E 'tá a subir, men! O pior é que o Ouribélix, apesar de ágil, era de tonelagem alta, e os décibeis do seu esforço e do nosso apoio despertaram a acutilância do guarda-guia-vigilante (saravá, Sr. Graça) que nos surpreendeu, uns já lá em cima (descorta-te men, olh'aí o djô), outros na bicha para o elevador e o Ouribélix em plena escalada.
- Mas o kéké isto!? Quem são vocês? O que estais a fazer, seus vândalos?
- Euhh... Heesh... Boa tarde senhor. Aahm... Bem, nós somos...
- Do seminário!
- (Refrão do couro) Pois! Do seminário!
- Ah sim? Então e quem é o padre responsável por vocês?
- Haan... O padre!? Bem, é o... aquele...
- O padre Zé Carlos!
- (Refrão do couro) Sim! O senhor padre Zé Carlos!
- Zé Carlos!? Não há nenhum padre Zé Carlos no seminário!
- Não?!? Euhh... É que nós... não somos de cá!
- Pois não! Somos dos Açores!
- (Refrão do couro) Pois! Dos Açores!
- Estamos cá a passar férias no seminário, e andamos a estudar para padres lá nos Açores.
- Pois é! E há muitos tremores de terra!
- E os nossos pais são pobres!
- Pois é, são pobres.
- Bem... Bom! Então vão-se lá embora, e vejam lá se não se metem em problemas. Isto não lembra a ninguém, a treparem a monumentos.
- Era só para brincar, sr. guarda, não temos nada para nos entreter. Desculpe lá, não se volta a repetir.
...
- Eh, ó seus malandros! Venham cá tirar a corda!
To cut a long story short, teve que se retirar a corda. Tivemos que voltar a utilizá-la mais à frente porque os que já lá estavam em cima não paravam de nos desafiar para ir explorar o Aqueduto dos Pegões (dá para ir daqui quase até lá, mens! Bué de vertiginoso, cena altamente!). Outro dia, conseguimos saltar uma porta que dava para o laranjal do convento, cultivado pelo seminário. Men, laranjas do convento! Devem ser abençoadas! Melhor que hóstias!
E eram. Boas. Mas não chegámos a ter tempo de as provar descansadamente: - Hei! Mas o kéké isso!? O que estão fazer, seus ladrões!? - gritou um frade, ainda longe de nós.
- Eia c'um caroço, fomos domados! E agora?
- Agora? Baza, caroço!
E começámos a correr, mas subir o talude e passar na estreiteza alta por onde nos havíamos esgueirado, em tempo útil para salvar o escalpe, era missão impossível. Um de nós escorregou pelo talude abaixo e o frade aproximava-se ajudado por Deus. Então Deus decidiu jogar aos dados e bafejou-nos com a sua inspiração:
- Ai, foda-se! 'Tou todo partido - queixou-se o acidentado desastrado.
- (Deus, possuindo um de nós) Eia pá! Oh xô padre, este menino partiu uma perna! Socorro (ajudem aí, caralho! Gritem também!)!
- Valha-me Deus! Mas porque é que vieram para aqui?
- Ó xô padre, vá mas é chamar uma ambulância, senão o nosso amigo ainda pode morrer, ou assim.
- Pois é, pode ter ofendido a coluna!
- Ai, ai, que já não sinto as pernas e dói-me em todo o lado!
- Pronto, não saiam daí que eu vou telefonar aos bombeiros,
...
- Pronto, men, já não se vê o gajo. Toca a bazar! G'anda golpe men!
A Mata dos Sete Montes, para além de ex-libris da marmelada, era um aprazível local para albergar pandilhas desocupadas e cheias de energia. O ponto alto era a Festa dos Tabuleiros, quando o nosso conhecimento profundo da Mata e dos seus segredos e truques, nos permitia entrar e sair sem pagar bilhete. Todas as noites nos esgueirávamos lá para dentro, não para assistir aos espectáculos, mas sim para tentar sacar umas estranjas. Tipo babalu, mas em fino.
Mas, tirando esses picos sazonais, as tardes na Cerca, para quem gostasse do bucolismo esverdungado, eram tipo zen. A nossa presença era, pois, uma calhoada no charco da tranquilidade e dos trinados. "But'aí jogar ao Jú!"; "but'aí descobrir passagens secretas"; "but'aí seguir aquelas gajas"; "but'aí chagar aqueles mongos"; "but'aí fazer uma barrela ao gajo, com urtigas!", "but'aí fazer um piquenique alcoólico". O granel era tanto que o guarda da Cerca, mais a sua impante corneta, sempre que nós entrávamos em cena, deixava de se preocupar com os incêndios e em ir mirar os casalinhos asfodegueados, para passar as passinhas a ver onde é que nós dávamos as nossas, e qual era o próximo desastre que preparávamos.
Apesar de conhecermos todas as entradas e saídas de emergência, os abrigos nucleares e os ninhos dos meles, nem sempre foi assim, e não era assim para todos. Terá sido esse hiato o responsável pela bronca que nos vedou o acesso à Mata durante uma temporada: em mais uma incursão para matar uma tarde com calor e sem banho, decidiu-se jogar ao Jú (n.d.r.: às escondidas). Quem ficava a apanhar era democraticamente nomeado em face do seu estatuto momentâneo outorgado pela turba. Naquele dia, em muitos dias, foi o saudoso Estrondoso o eleito. "Cont'aí até 300, para o pessoal se ir esconder". E ele contava. Era o único que o fazia. Uma mata está para o jogo das escondidas como os Himalaias para o alpinismo: é o suco da barbatana. Nunca mais me encontras! Principalmente se o pessoal decidir sair de lá e vir embora. "Ya! Este jogo já me 'tá a dar seca! 'Bora ao Académico jogar um snoocker".
22.00h. Toca a campaínha de casa. Pai atende.
- Oh M, chega lá aqui. É o pai do PR. - O pai do Estrondoso, aquela hora?!!
- Boa noite!
- Boa noite M. Por acaso não me sabe dizer onde é que anda o PR?
- !!! O PR? Não!
- Mas ele não esteve consigo?
- Ah! Esteve, mas foi à tarde, já foi há umas horas atrás!
- Então e estiveram onde?
- Na Cerca. Estivemos a jogar às escondidas... - E então, a suspeita rebentou-me na boca. - Só se...
- Sim, só se...
- Bem, quando estávamos a jogar era ele que andava à procura... E acho que ele não apanhou ninguém...
- Então...
- Então, se calhar ele ainda lá está.
- Não!!
- Bem, se calhar sim. Aquilo fecha às 17h. Se calhar ele ficou lá fechado...
...
Quando chegámos à Cerca, o quadro do Estrondoso agarradinho às grades dos majestosos portões da Mata, com ar de degredado, trouxe-me à memória o mesmo remorso que sentira quando deixava o meu irmão mais novo no jardim-de-infância e ele ficava agarradinho à rede com olhos de Vítor Nobre cheio de fome e agonia.
A missão de resgate não foi fácil, porque o Guarda tinha ido visitar familiares, e ainda tivemos que esperar um coche para que ele viesse abrir os portões. A presença militar do pai do PR tolheu-lhe o vernáculo que lhe saltava dos olhos, mas ainda resmungou qualquer coisa como "logo vi que eram estes. Um reformatório, era o que deviam fazer aqui..." O Estrondoso, apesar de saber que o esperava um castigo marcial, só não abanava a cauda porque estava enregelado de abandono e, por outro lado, era algo de que já não dispunha, depois de todas as barrelas que lhe havíamos feito.
(Still to be continued)
precioso texto !!
:-)
Olá Luí. Gracias, mas no: preciosos são os olhos que o lêem. Gracias, quand-même et toujours
obrigada, verdade que escrebes muito bem, embora me custa um bocadito de percibir algum "giro"...
e precioso tambem é Tomar, um dia hei de te contar o que me aconteceu no convento ....
:-)