Armas #1
As primeiras armas conhecidas e por nós utilizadas nos primórdios da evolução foram os calhaus. Tínhamos a sorte de esse ser um recurso vasto e à discrição. Também tínhamos o espaço necessário e suficiente para acertar apenas 1 em cada 20 tentativas, mas quando tal sucedia, o espectáculo de dor e lágrimas valia o esforço despendido. O Raúl, que era o mais desajeitado em tudo o que metesse corrida e coordenação motora, era o mais temível na calhoada: o quintal tinha o nome dele e as pedras pareciam que obedeciam melhor a ele do que a nós.
Mas o progresso é o progresso, e rapidamente as pressões de ar impuseram a sua força letal. Nunca tive nenhuma, mas já se sabia que naquilo que cada um tinha todos podiam mexer. Dei poucos tiros, mas todos foram bem dados e ficaram gravados em mim como ficaram na testa do Ssekou. O primeiro contacto com esta tecnologia de ponta deu-se no seguimento da primeira viagem do Kalí à América, que para nós era mais importante do que a ida do homem à Lua (foi no mesmo ano, não?). O gajo trouxe algo de maravilhoso, que nunca mais vi, e que faria os meus filhos beijarem-me os pés se lhes oferecesse uma cena dessas: um Colt 45 pressão de ar. Já não me lembro do calibre do chumbo, mas recordo-me que dava para disparar uns 4 tiros seguidos e imaginem o poder que transmitia a putos de 8 ou 9 anos. Rapidamente aquela arma se tornou o nosso totem e andávamos todos em séquito atrás do Kalí, à babuje para dar um tirinho. Claro que uma arma daquelas não servia para a caça, servia para a guerra. Todos os bandos de putos tinham o seu território e o seu Centro de Comando: a cabana. Os assaltos eram frequentes e geralmente arrasadores, e nos intervalos dos jogos de futebol que marcávamos para ver quem é que era mesmo homem, desenvolviam-se diversas missões de retaliação e punição.
Um dia, depois de termos executado com sucesso uma acção de desactivação da base dos salazaristas, quando estávamos a festejar o êxito em casa do Janita (bolos à discrição, man), um dos nossos informadores veio-nos avisar que estávamos a ser invadidos pelo bando do Martelo, Teodoro, Pilas e Trovoada. Eram mais, maiores e sem cultura suficiente para negociarmos saídas diplomáticas. Era pá porrada, portanto. Ainda por cima estávamos deslocados dos nossos pontos estratégicos de defesa que permitiam fazer barragens de artilharia contra os invasores (tínhamos o Raúl, caroço!). Mas, o saber e o conhecimento é que fazem avançar as civilizações, e nós tínhamos a Bomba P! Avançámos de encontro aos inimigos semi-confiados no efeito dissuasor do nosso arsenal. Quando os avistámos, alguns 15 trogloditas, ao pé da casa da avó do Chico Faia, a nossa coragem refugiou-se por trás do Kalí: era o mais alto e tinha a arma secreta.
– Então foram vocês que nos partiram a cabana toda? – rugiu o Martelo.
– Nós!? Tu és é palerma! Nós ‘távamos em casa do Janita Stars a comer bolos! Vocês é que entraram aqui onde a gente manda, sem pedir.
– Não sejas mentiroso, copinho-de-leite. Agora vão levar na tromba que é para aprender!
– Mãos ao ar, ou levas um tiro! – ameaçou o Kalí, já com o canhangulo na mão.
Passado o primeiro instante de surpresa (a cara do Pilas a olhar para a arma faz-me sempre lembrar os macacos do 2001 Odisseia no Espaço), o Martelo deu uma gargalhadinha tímida e desconfiada – Eh eh! Isso é o quê, uma pistola de água ou fulminantes? – Os animais que o acompanhavam riram-se da graçola.
– Oh pá, isto é uma pistola a sério, e já te disse para pores as mãos no ar senão furo-te todo, caralho!
– Eu é que te vou furar o nariz, menino-da-mamã! – disse o Martelo enquanto avançava para cima de nós. Convém aqui dizer, que nessa época, para o pessoal enrijar o coiro, usavam-se calções assim que apareciam os primeiros cheiros de Primavera. Quando o Martelo sentiu o primeiro chumbo a passar-lhe perto, notou-se uma certa dúvida filosófica na hesitação que o fez travar o ataque. Quando começou a ganir depois de levar uma chumbada na perna, os mais ilustrados de nós sentiram que aquele gajo, se aprendesse a ler, ainda poderia chegar a filósofo, ou pelo menos engenheiro técnico. A retirada desordenada que se seguiu permitiu-nos cantar vitória pela 2ª vez naquele dia, e ir festejar comendo o resto dos bolos em casa do Janita. Mas os adversários eram insistentes e voltaram a tentar atacar os nossos domínios. Traziam reforços e fisgas. Só que aí bastou pormo-nos à janela do Janita, com o pau da bandeira do União a apontar, e a gritar – a seguir é de caçadeira! – Ajudados pelo efeito de som providenciado pelo rebentamento de um saco de plástico, foi hilariante ver os mitras a correrem todos cagados de aflição à espera da chumbada mortal.
Naquele momento revelou-se para nós uma verdade fundamental: a ditadura do proletariado nunca haveria de chegar.
Mas o progresso é o progresso, e rapidamente as pressões de ar impuseram a sua força letal. Nunca tive nenhuma, mas já se sabia que naquilo que cada um tinha todos podiam mexer. Dei poucos tiros, mas todos foram bem dados e ficaram gravados em mim como ficaram na testa do Ssekou. O primeiro contacto com esta tecnologia de ponta deu-se no seguimento da primeira viagem do Kalí à América, que para nós era mais importante do que a ida do homem à Lua (foi no mesmo ano, não?). O gajo trouxe algo de maravilhoso, que nunca mais vi, e que faria os meus filhos beijarem-me os pés se lhes oferecesse uma cena dessas: um Colt 45 pressão de ar. Já não me lembro do calibre do chumbo, mas recordo-me que dava para disparar uns 4 tiros seguidos e imaginem o poder que transmitia a putos de 8 ou 9 anos. Rapidamente aquela arma se tornou o nosso totem e andávamos todos em séquito atrás do Kalí, à babuje para dar um tirinho. Claro que uma arma daquelas não servia para a caça, servia para a guerra. Todos os bandos de putos tinham o seu território e o seu Centro de Comando: a cabana. Os assaltos eram frequentes e geralmente arrasadores, e nos intervalos dos jogos de futebol que marcávamos para ver quem é que era mesmo homem, desenvolviam-se diversas missões de retaliação e punição.
Um dia, depois de termos executado com sucesso uma acção de desactivação da base dos salazaristas, quando estávamos a festejar o êxito em casa do Janita (bolos à discrição, man), um dos nossos informadores veio-nos avisar que estávamos a ser invadidos pelo bando do Martelo, Teodoro, Pilas e Trovoada. Eram mais, maiores e sem cultura suficiente para negociarmos saídas diplomáticas. Era pá porrada, portanto. Ainda por cima estávamos deslocados dos nossos pontos estratégicos de defesa que permitiam fazer barragens de artilharia contra os invasores (tínhamos o Raúl, caroço!). Mas, o saber e o conhecimento é que fazem avançar as civilizações, e nós tínhamos a Bomba P! Avançámos de encontro aos inimigos semi-confiados no efeito dissuasor do nosso arsenal. Quando os avistámos, alguns 15 trogloditas, ao pé da casa da avó do Chico Faia, a nossa coragem refugiou-se por trás do Kalí: era o mais alto e tinha a arma secreta.
– Então foram vocês que nos partiram a cabana toda? – rugiu o Martelo.
– Nós!? Tu és é palerma! Nós ‘távamos em casa do Janita Stars a comer bolos! Vocês é que entraram aqui onde a gente manda, sem pedir.
– Não sejas mentiroso, copinho-de-leite. Agora vão levar na tromba que é para aprender!
– Mãos ao ar, ou levas um tiro! – ameaçou o Kalí, já com o canhangulo na mão.
Passado o primeiro instante de surpresa (a cara do Pilas a olhar para a arma faz-me sempre lembrar os macacos do 2001 Odisseia no Espaço), o Martelo deu uma gargalhadinha tímida e desconfiada – Eh eh! Isso é o quê, uma pistola de água ou fulminantes? – Os animais que o acompanhavam riram-se da graçola.
– Oh pá, isto é uma pistola a sério, e já te disse para pores as mãos no ar senão furo-te todo, caralho!
– Eu é que te vou furar o nariz, menino-da-mamã! – disse o Martelo enquanto avançava para cima de nós. Convém aqui dizer, que nessa época, para o pessoal enrijar o coiro, usavam-se calções assim que apareciam os primeiros cheiros de Primavera. Quando o Martelo sentiu o primeiro chumbo a passar-lhe perto, notou-se uma certa dúvida filosófica na hesitação que o fez travar o ataque. Quando começou a ganir depois de levar uma chumbada na perna, os mais ilustrados de nós sentiram que aquele gajo, se aprendesse a ler, ainda poderia chegar a filósofo, ou pelo menos engenheiro técnico. A retirada desordenada que se seguiu permitiu-nos cantar vitória pela 2ª vez naquele dia, e ir festejar comendo o resto dos bolos em casa do Janita. Mas os adversários eram insistentes e voltaram a tentar atacar os nossos domínios. Traziam reforços e fisgas. Só que aí bastou pormo-nos à janela do Janita, com o pau da bandeira do União a apontar, e a gritar – a seguir é de caçadeira! – Ajudados pelo efeito de som providenciado pelo rebentamento de um saco de plástico, foi hilariante ver os mitras a correrem todos cagados de aflição à espera da chumbada mortal.
Naquele momento revelou-se para nós uma verdade fundamental: a ditadura do proletariado nunca haveria de chegar.
És grande, pá!
Eh maninho bom! Com'é? Está tudo bem? O SIS informa-me que tens visitas tugas. Tunga! Já sabes de futuro próximo? Quando vi a janela na Vara deu-me uma saudade, e os canitos tinham vontade de voltar a visitar o príncipe... Abraços rapazão.