Eh pá, ouve lá esta!
A música foi uma das senhas para a formação deste clube de sábios. Quando o Fak’s irrompeu no nosso território, eu acabara de receber o meu primeiro choque tecnológico, que teve um impacto que tomara qualquer Magalhães: um rádio-leitor de cassettes AIWA que haveria de me/nos acompanhar por muitos e bons anos, até ficar abandonado e esquecido no jardim do Hotel, após uma das primeiras raves da história (esplendor na relva). Por essa altura, com 13 anos, o que de mais moderno eu ouvia era Suzi Quatro, Abba e Beatles e entretinha-me a passar uma cassette de Demis Roussos do meu pai, em volume máximo, para tentar impressionar a vizinha da frente.
Foi pois o meu dilecto vizinho quem me introduziu no consumo das descargas eléctricas do rock tip top que ele já dispunha: Deep Purple, “Made in Japan”, foi o cotonete mais marcante. Dois discos, dois!, de energia visceral e que respondiam aquela comichão no céu-da-boca que a adolescência desperta. Aquilo é que era música! Para além de nos entrar pelos ouvidos directamente para a corrente sanguínea, deixava os outros (pais e demais adultos, queques e normalóides) horrorizados. Como terá acontecido com milhares de outros guitarristas, os acordes do Smoke on the Water, também foram o click que levou o Pekos Bill a pegar na viola e a transformar-se no nosso Mick Jones. Com o regresso do Major Alvega da sua incursão pela Escola da Tropa, vieram mais algumas novidades: Pink Floyd, Bob Seger (disco amarelo), Zappa e outras potências.
A abertura de duas lojas com discoteca (Discal, Mescla) funcionava como a nossa internet: passávamos horas a ver e ouvir discos, utilizando diversos estratagemas para não correrem connosco, sendo o mais habitual perguntar se já tinham o último disco dos Ledz Blind, ou o single dos Strass Kna. – Quem?! – dizia a atrapalhada funcionária. – Os Lebz Brind! Não sabe? Então deixe estar que nós vamos procurar...
E procurávamos, conhecíamos aquela discoteca melhor que os próprios proprietários. Ainda tentámos banhar alguns, mas o tamanho do vinil não se prestava. O mais que conseguíamos fazer era ir descortando alguns para sítios em que sabíamos que ninguém os procuraria, à espera da próxima semanada, de um golpe de sorte ou do Natal.
A nossa música era partilhada entre todos (e partida também: o meu Gary Numan ficou com uma dentada causada por muito fumo nas mãos do PM), tal como partilhávamos os cigarros e as charruas. As sessões de audição quimicamente potenciada repartiam-se entre os enevoados quartos do Fak’s e do Kali, e as músicas eram exaustivamente escalpelizadas e trabalhadas com boas misturas. Só o ZC, que sofria do síndrome do zapping, não nos deixava ouvir música nenhuma até ao fim. Eh pá, ouve lá esta!
Os discos eram algo de valioso e representavam tanto de nós como os Hi5 de hoje. Mostra-me que música ouves e eu dir-te-ei o que tu és. Conhecíamo-los intimamente e havia uma faixa para tudo: para abrir, para aquecer, para deprimir, para dormir, para revoltar, para sacar a bruna... Tornámo-nos especialistas em avaliar a qualidade da prensagem, regular os pesos da agulha para evitar os saltos, dar a porradinha certa para saltar o risco, em conseguir o overclocking das nossas fraquinhas Waltham até elas vomitarem o melhor som possível. “A música era o ar e respirávamos pelos ouvidos” (Música&Som, reportagem sobre o concerto do Animals dos Pink).
À pala do pai do Fak’s, que era muito à frente, descobrimos que o Jazz podia conter os baixos poderosos que nós adorávamos. Os Weather Report ainda hoje me batem nas veias e abriram-nos o ouvido para outras sonoridades, Jan Akkerman à cabeça. Depois, o Fak’s que estava sempre em cima do hype, falou-nos nuns maluquiens que começavam a atacar na GB: os punks. Os Sex Pistols faziam-nos rir, mas os Ramones já começavam a dominar as nossas playlists de Verão.
O Kali, porque já era mais cota (hehehehe), já ia ao 2000 enquanto nós ainda nos ficávamos pelos ensaios para conseguir ir às matinées da Fera aka Marino’s Club. Mas à falta do guito e do anonimato necessário para não nos descobrirem a menoridade, criávamos os nossos próprios lounge’s: a garagem do Ssekou foi o primeiro spot, o primeiro covil. Depois de pintadas as paredes e de se confirmar que o chichon fazia mexer os graffitis janados que tínhamos vertido, marcou-se a primeira de muitas festas. Aparelhagem carregada em braços, namoradas e contróis sacados, luzes apagadas, Finch no prato, e iniciem-se as descobertas.
A seguir ao punk, veio a new wave, que nos bateu com força. O Fak’s resistiu melhor ao assalto da electrónica, e ainda hoje é o mais eléctrico e analógico de nós. Mais, é o único que sabe fazer a sua própria electricidade. Ridicularizámos o disco sound e quejandos, mas abrimos ouvidos ao bom funk que começava a rodar (baixos men, baixos). O rock português surgiu essencialmente como oportunidade de ter mais concertos e mais perto: Aqui D’el Rock, Ferro&Fogo, Tantra, Frodo, Hobnob, Trabalhadores do Comércio, foram dos primeiros concertos que vimos, e que serviam de estágio para os verdadeiros, dos monstros (capítulo à parte).
O melhor é que, ainda hoje, no matter the distance or time, continuamos a ter prazer em saber o que é que os outros andam a ouvir, em discutir e partilhar com eles o que descobrimos e nos recordamos. Por isso o próximo desafio é um Podcast. Inscrições para registo de nomes abertas nas lojas da especialidade.
Que felizes que nós eramos.
Sem mp3,telemoveis,consolas e outros gadgets perfeitamente planetários para a altura,a nossa revolução fez mais pela qualidade do que pela quantidade que hoje é oferecida. Quando olho para trás,vejo o computacar,lembro-me do furôr dos relógios de quartzo com aqueles numeros vermelhos altamente psicadélicos do spectrum, e vejo-os com alguma saudade bem lá ao longe.Agora a seguir só falta o clássico'no meu tempo...'.
Á boa maneira marialva, só se perderam as que cairam no chão,ou se quisermos,só tive pena de não ter curtido ainda mais.
Estes teus escritos,ou escrivos como diria o Faneca,têm o dom de um elixir da juventude,um bálsamo para a alma,em que eu em vez de estar a dormir porque vou bulir até ás 8 da manhã, estou aqui a relembrar episódios (num flash back estonteante,paradoxalmente calmo) e por vezes a rir sózinho que nem um maluco.
Quanto ao desafio,bom,ainda estou no bibe azul e tu já me queres mandar para o ciclo, mas morra quem se negue;tosta mix é capaz de ser um nome a ter em consideração para o novo desafio.Vamo-nos lembrando d'outros
Tosta Mix é fixe: fazemos uns dias com manteiga e outros sem manteiga!
Aki ninguém drome!
Porra, as coisas de que tu te lembras! Gut feeling man! Grandes tardes a ouvirmos música...a bebermos música...conseguiamos criar laços de amizade a partilhar música, coisa inexplicável mas que aconteceu...fixe recordar estas merdas...lol
Este Mário está um verdadeiro Pessoa e com uma memória de elefante (tu és macaco pá);é verdade, toca tb o silva pereira ou o xixalom.Já agora manda aí um PAUUU.
Sinais de fumo,sempre